Acórdão: Apelação Cível n. 2006.028649-5, da Capital.
Relator: Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta.
Data da decisão: 15.05.2007.
Publicação: DJSC Eletrônico n. 237, edição de 02.07.2007, p. 139.
EMENTA: AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS. DOAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL POR FILHO À MÃE NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. OUTROSSIM, NAQUELE PERÍODO, COMPRA DE BEM IMÓVEL PELA CONCUBINA, MAS EXCLUSIVAMENTE COM RECURSOS DELA PRECEDENTES À RELAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE DIVISÃO DOS BENS COM O CONCUBINO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
O término da união estável implica a partilha dos bens que ingressaram ao patrimônio do casal durante a relação. Nesta divisão não se inclui, contudo, aqueles que a mulher recebeu por doação de seu filho naquele período, ou que tenham passado ao patrimônio com emprego de recursos que ela já tinha antes do relacionamento.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO DE URH´S. DESCABIMENTO. SUPRESSÃO DE OFÍCIO.
Na melhor exegese da Lei Complementar Estadual n. 155/97, "Não será devida a remuneração ao Assistente Judiciário quando o beneficiário apresentar-se em Juízo com advogado constituído". (art. 17, II)" (TJSC, ACv n. 2004.017748-8, de Blumenau, rel. Des. Mazoni Ferreira).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.028649-5, da comarca de Capital (2ª Vara da Família), em que é apelante S. G. e apelada B. A. e S.:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, à unanimidade, negar provimento ao recurso. Custas legais.
RELATÓRIO
S.G. ajuizou ação cautelar de arrolamento de bens contra B.A. e S..
Alegou que manteve com a requerida uma união estável entre os anos de 1999 e 2003, tendo adquirido juntamente com ela vários bens durante aquele período, descritos às fls. 4/5 do processo. Ao final, postulou o arrolamento das coisas, pois alega que a demandada poderia extraviá-las ou dissipá-las se permanecessem na sua posse até a ulterior divisão do patrimônio em ação própria.
Citada, a requerida apresentou contestação. Disse que os bens relacionados pelo autor efetivamente foram comprados durante a união, mas todos com recursos próprios dela, oriundos da venda de bens que possuía anteriormente à sua relação com o autor, bem como, no caso da Lavanderia Itacorubi, mediante doação pelo seu filho J.Y.A. e S.
Houve impugnação à peça defensiva.
Após requerimento do autor em audiência de conciliação, admitiu o MM. Juiz a conversão do procedimento cautelar para ação de reconhecimento de sociedade de fato c/c partilha de bens.
Processado o feito, o representante do Ministério Público apresentou parecer favorável à partilha apenas do automóvel Chevrolet Corsa placa MCJ 7739, mantendo-se os demais bens no domínio da ré, ao entendimento de que foram adquiridos apenas com recursos desta.
Então, sobreveio sentença dando pela procedência parcial do pedido inicial. Acolhendo o parecer ministerial, entendeu a MM. Juíza que seria cabível apenas a divisão do automóvel, mantendo-se os demais bens com a requerida. Deixou de condenar o postulante em custas e honorários, eis que beneficiário da assistência judiciária. Fixou ainda remuneração ao seu defensor na monta de 10 URH's, apesar dele ter comparecido aos autos com causídico já constituído.
Irresignado, o vencido interpôs recurso de apelação, reiterando os termos da inicial e requerendo a divisão dos bens nos moldes ali colocados.
Apresentadas as contra-razões, ascenderam os autos a esta Corte.
VOTO
Em primeiro lugar, destaca-se que de acordo com o art. 2.035 do CC/1916, "a validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece o disposto em leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução."
Em comentários ao artigo, Maria Helena Diniz (in Novo Código Civil comentado/coordenador Ricardo Fiuza, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 1.829 e 1.830) afirma que "os atos e negócios jurídicos que se constituíram antes da entrada em vigor deste Código obedecerão às normas referidas no art. 2.045, tendo-se em vista que o novo diploma legal ainda não irradiou quaisquer efeitos".
Como efeito de tal disposição legal, aplica-se à divisão dos bens de União Estável constituída e caracterizada antes do advento da novel Codificação a norma que a precedia, qual seja, a Lei n. 9.278/96, que em seu art. 5o dispõe:
"Art. 5º Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
§ 1º Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união. (...)"
Como visto, então, para excogitar-se a divisão patrimonial entre os concubinos no caso em questão, exige-se que os bens adquiridos na constância da União não tenham sido comprados com o produto exclusivo da venda de outros anteriores à relação, pertencentes apenas a um dos parceiros e apenas substituídos por outro novo em seu lugar.
Do Superior Tribunal de Justiça, a propósito do assunto, extrai-se:
"CIVIL – DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL – PARTILHA DE BENS DO CASAL – A dissolução da união estável implica a partilha dos bens que o casal adquiriu no período, salvo aqueles que o homem ou a mulher tenham incorporado ao respectivo patrimônio com recursos que já tinham antes do início do relacionamento. Recurso especial não conhecido" (REsp n.º 801.194, Rel. Min. Ari Pargendler).
Realmente, somente quando provado que o concubino ou "concubina contribuiu com o capital ou trabalho para aquisição dos bens, nasce o direito a exigir a meação dos bens havidos durante a união concubinária, uma vez que o direito" dos parceiros à participação nos bens "está na dependência direta de prova da contribuição efetiva para o aumento do patrimônio." (CARDOSO, Hélio Apoliano. In Da união estável, Iglu: São Paulo, p.16, 2000)
A regra foi confirmada pelo Código Civil de 2002, cujo art. 1.725 enuncia que "na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime de comunhão parcial de bens". Já o art. 1.659, I do CC dispõe que na comunhão parcial excluem-se da divisão "os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar".
Feitas as ponderações supra, verifica-se então que o autor, em vista do término do seu relacionamento estável com a ré, postula a divisão dos seguintes bens:
- Uma lavanderia, situada na Rodovia Admar Gonzaga, n. 755, loja 014, Bairro Itacorubi, guarnecida de máquinas de lavar, geladeira, , televisor e ferros de passar.
- Um imóvel, situado na rua Olinda Rosa da Conceição n. 145, número 366, Bairro Ingleses do Rio Vermelho, município de Florianópolis, com demais utensílios que estejam em seu interior.
- Veículo Chevrolet Corsa, placa MCJ 7739, RENAVAN n. 7714183-02.
Contudo, quanto à lavanderia, trata-se de negócio que foi iniciado pelo filho da requerida, consoante fartamente indicado às fls.77/80 do processo, depois transferido à autora, no ano de 2001. Não há, outrossim, qualquer prova de que foi comprado pelo casal, devendo assim prevalecer a alegação de que foi doado pelo filho à sua mãe, consoante indicado por este em seu depoimento, onde constou:
"...que repassou a empresa graciosamente; que quando repassou a empresa assim o fez exclusivamente para sua mãe; que quando repassou a empresa a mesma estava em plena atividade".
Ora, incumbia ao autor, nos termos do art. 330, I do CPC, apresentar as provas constitutivas do seu direito, trazendo documentos capazes de mostrar que o empreendimento foi adquirido em união de esforços dos concubinos, com parcela de recursos seus. Entretanto, nenhum elemento escrito embasa tal versão, a qual não se deve atribuir qualquer credibilidade, portanto.
Aliás, pertencendo o negócio anteriormente ao filho, é muito mais crível que tenha transferido a titularidade do estabelecimento à sua mãe de forma graciosa, como afirmou, do que tenha vendido ao casal, conforme alegado pelo postulante. Este, na condição de autor da causa, tinha obrigação de trazer elementos capazes de embasar tal tese (art. 330, I do CPC), o que não aconteceu, porque nada sugere que contribuiu financeiramente para aquele negócio. Inexiste, assim, qualquer possibilidade de se partilhar o patrimônio que compõe a empresa.
Quanto à divisão do imóvel residencial e dos seus utensílios, suficientes são as colocações feitas pelo Promotor Luiz de Melo, as quais esgotaram de vez o assunto:
"O documento de fl. 99/103 demonstra que o dito imóvel foi adquirido apenas pela ré, sendo que tanto o terreno como as posteriores construções foram realizadas com recursos particulares da requerida, provenientes de partilha e meação quando da separação judicial com seu ex-marido Adão Bruno Soares e Silva.
As vendas dos imóveis foram efetuadas alguns meses (março/99, abril/99 e agosto/99) antes da aquisição do terreno e das construções citadas, numa demonstração clara que foi o produto daquelas vendas a origem do numerário para a aplicação no imóvel nesta cidade
Ora, o próprio autor, em seu depoimento pessoal, afirmou que o casal não possuía poupança, demonstrando que nada constribuiu para a aquisição do bem ora em discussão, visto que sua renda mensal era insuficiente para tanto
Os móveis e utensílios domésticos que guarnecem o referido imóvel, em tese, pertencem exclusivamente à ré, advindos e adquiridos anteriormente a relação com o autor, e também são insuscetíveis de partilha, visto que o requerente, antes da união, morava em imóvel de terceiros, a título gratuito, e em pensões, não possuindo, portanto, móveis".
Desta forma, a única divisão cabível é mesmo a do automóvel Corsa, sendo assim irretorquível a sentença objurgada no que pertine ao mérito da lide.
Por fim, como forma de tutela às finanças públicas, e evitando o enriquecimento dos advogados com base em remuneração a que não fazem jus, convém suprimir de ofício o excerto da decisão fixando URH´s em desfavor do Estado, ente público a que falece, no momento, oportunidade de defesa.
É incabível a fixação de verba honorária decorrente do exercício da advocacia dativa pois, consoante dispõe o art. 7º da Lei Complementar Estadual n. 155/97, "a remuneração pelo Estado ao Defensor Dativo e Assistente Judiciário somente será devida quando a nomeação decorrer de pedido formulado pela parte interessada, por petição escrita, dirigida ao Juiz da Vara, verificada a insuficiência de recursos pelo magistrado ou autoridade judiciária competente para conhecer e julgar a pretensão civil ou criminal".
Note-se, ainda a propósito, que o art. 17, II, da mesma lei é assaz claro ao determinar que "não será devida a remuneração ao Advogado Assistente Judiciário ou Defensor Dativo quando: II - o beneficiário da Assistência Judiciária, qualquer que seja sua situação econômico-financeira, apresentar-se com advogado constituído", o que ocorreu na hipótese vertente, conforme se depreende do instrumento de procuração acostado à fl. 06.
Acerca do tema já se pronunciou este Tribunal:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE TUTELA - ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - LEI N. 1.060/50 - PROCURADOR CONSTITUÍDO PELA AUTORA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - FIXAÇÃO DE URH'S - IMPOSSIBILIDADE - NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS - EXEGESE DOS ARTS. 7º, 8º E 17, I, II, DA LEI COMPLEMENTAR N 155/97 - AUSÊNCIA DE DEFENSOR DATIVO OU ASSISTENTE JUDICIÁRIO NOS AUTOS - DECISUM VERGASTADO MANTIDO - RECURSO DESPROVIDO.
No Estado de Santa Catarina a remuneração ao Assistente Judiciário somente será devida quando a nomeação decorrer de pedido formulado pela parte interessada, por petição escrita, dirigida ao Juiz da Vara (art. 7º, Lei Complementar n. 155/97), devendo conter: o nome, nacionalidade, estado civil, profissão, endereço completo, número de filhos, valor dos rendimentos mensais, se os tiver, e declaração de que não é filiado à entidade sindical, ou de classe, instruindo-a com os seguintes documentos: I - declaração de rendimentos, se os tiver, expedida pelo empregador; II - declaração de que possui, ou não, bens móveis e imóveis, firmada pelo requerente, e de que não tem condições de prover as despesas do processo e dos honorários advocatícios, sem prejuízo próprio ou de sua família (art. 8, I e II).
Não será devida a remuneração ao Assistente Judiciário quando o beneficiário apresentar-se em Juízo com advogado constituído (art. 17, II)." (Ap. Cív. n. 2004.017748-8, de Blumenau, rel. Des. Mazoni Ferreira)
Oportuno esclarecer que há significativa diferença entre o benefício da assistência judiciária, instituído pela Lei 1.060/50, e a remuneração do advogado, pelo Estado, quando presta serviço como defensor dativo. A propósito, há julgado desta Corte que demonstra com muita clareza tal diferença:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - LEI N. 1.060/50.
Não há confundir o benefício da assistência judiciária previsto na Lei n. 1.060/50, que isenta a parte do pagamento das despesas do processo, inclusive honorários advocatícios, com a obrigação do Estado de remunerar os advogados que prestam serviço na Defensoria Dativa e na Assistência Judiciária Gratuita (LC n. 157/97).
No primeiro caso, o benefício é concedido ante a só afirmação, na própria petição inicial, de que o requerente não tem condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado sem prejuízo do sustento próprio ou da família; no segundo, para que o seu defensor dativo ou assistente judiciário seja remunerado pelo Estado, deve atender às exigências previstas na LC n. 157/97." (Apelação Cível nº 1997.013610-2, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Newton Trisotto, j.17.02.98)
Tratando-se de matéria envolvendo preponderantemente ordem pública (direito patrimonial público), nada obsta haja sobre ela cognição da Câmara.
Destarte, suprime-se, de ofício, a verba honorária fixada em URH´s.
DECISÃO
Ante o exposto, à unanimidade, a Câmara decide negar provimento ao recurso.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Des. Carlos Prudêncio e Joel Figueira Junior.
Florianópolis, 15 de maio de 2007.
Carlos Prudêncio
PRESIDENTE
Maria do Rocio Luz Santa Ritta
RELATORA
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. TJSC - Civil. União estável. Ação de reconhecimento de união estável c/c partilha de bens. Doação de estabelecimento comercial por filho à mãe na constância do relacionamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jan 2008, 19:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências /12278/tjsc-civil-uniao-estavel-acao-de-reconhecimento-de-uniao-estavel-c-c-partilha-de-bens-doacao-de-estabelecimento-comercial-por-filho-a-mae-na-constancia-do-relacionamento. Acesso em: 26 nov 2024.
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